Fiquei imaginando o que Camila iria dizer quando soubesse que terminei com Nicardo. Lembrar dela me deixava preocupada. Que tipo de amiga eu era deixando-a para trás? Queria que o Rei Céleo desse logo a permissão para que fossemos resgatar a Camila e as outras “noivas” do Bianor.
– Sente-se melhor agora? – Cosmo perguntou.
– Bem melhor! – respondi sorrindo enquanto olhava a grande árvore pela porta da sala.
– Foi algo tão terrível como imaginava? – ele estava sério, mas era possível sentir o tom de deboche em sua voz.
– Tudo bem. Admito. Você estava com toda a razão!
– Obrigado por reconhecer. – Cosmo sorriu – E agora? Você vai falar com Alexis ainda hoje?
– Hoje não. – sorri maliciosamente – Vamos deixar esperar mais um pouquinho. Amanhã cedo eu vou falar com ele. Isso é, se eu conseguir realmente esperar até amanhã. E a Thalassa?
– O que tem a Thalassa? – seu olho direito começou a piscar estranhamente.
– Falou alguma coisa sobre o carinha? – bati o ombro em suas costas.
– P-p-por que acha q-q-que ela falaria alguma coisa comi-migo? – Cosmo começou a ficar nervoso.
– Você é bem próximo a ela. – fiz de desentendida – Achei que ela poderia ter dito algo.
– Ela n-n-não disse nada comi-migo. – o olho direito de Cosmo voltou a piscar.
– Por que você fica tão nervoso quando falo neste assunto? – provoquei.
– E-e-e-eu? – ele quase gritou – Q-q-quem disse que eu estou n-n-nervoso?
– S-s-sei La-la-la? – o imitei.
– Va-va-vamos falar de-de outra coisa? – ele tentava não parecer nervoso.
– Tudo bem. – sorri – Só não se esqueça que, caso alguém venha se declarar para ela, a Thalassa esquece esse carinha no mesmo instante.
– E por que está falando isso para mim? – ele conseguiu perguntar sem gaguejar.
– Por nada. Falei por falar – segurei o riso – Acho que vou dar uma passeada pela montanha. Quer vir?
– Não. Pode ir. – Cosmo já estava começando a fugir de mim. Talvez eu devesse começar a pegar mais leve com ele.
– Como quiser. – fiz um sinal de desdém com a mão.
Fui para as montanhas respirar um pouco de ar fresco. A chuva não havia aparecido novamente, mas a terra estava molhada e tinha aquele cheirinho de chuva que me fazia tão bem. As árvores pingavam pequeninas gotas que se prendiam nas folhas e a montanha emanava um clima úmido, porém aconchegante. Não fui muito longe, apenas o suficiente para continuar sendo vista por quem me procurasse na casa.
Desde que cheguei a Ofir pela primeira vez eu sempre me sinto mais forte quando estou em contato com a natureza. É como se tivéssemos uma ligação. Talvez seja pelo fato de meus poderes estarem concentrados em elementos da natureza, não sei dizer. Percebi isso ainda na primeira vez, em Neide, quando revivi aquele jardim congelado.
Enquanto caminhava pela montanha, tive um encontro inesperado. Um encontro completamente inesperado.
Começou com um vento forte, soprando as folhas e pequeninos grãos de areia e aos poucos foi tomando forma de um lobo com 2 metros de altura e olhos de fogo.
– Você outra vez! – me assustei.
– Menina Beatriz, grande guerreira. – o lobo fez o vento soprar mais forte quando falou – Tu me intrigas com seu destino confuso. Existem vários caminhos e vários destinos reservados para você. Destinos vitoriosos, alegres e cheios de glórias. Mas existem destinos cheios de dor, lágrimas, derrotas e mortes. Tenha sabedoria nas suas escolhas e tome cuidado com tudo o que faz para não acabar entrando em um caminho de dores e derrotas.
– Do que está falando? – perguntei.
– Já escolhestes o caminho mais difícil uma vez e veja no que Ofir se tornou. – a voz dele era dura e severa – Não faça o caminho errado outra vez ou Ofir poderá deixar de existir.
– Espere! – gritei, mas já era tarde. O lobo havia desaparecido junto com o vento.
Voltei para a casa assustada. O que aquele lobo quis dizer com escolhas erradas e vários destinos? Eu estava um pouco atordoada para entender o que isso queria dizer e tinha medo de entender.
– O que foi Beatriz? – Tales perguntou – Está pálida. Parece que viu um fantasma.
– Não exatamente. – passei por ele e fui para meu quarto.
Thalassa estava mexendo em alguns livros e fez uma cara muito estranha quando me viu.
– Aconteceu alguma coisa?
– Não, eu estou bem. – respondi.
– Não é o que parece. – ela me fitou confusa.
– Você acha que eu realmente fiz certo em terminar com Nicardo?
– Essa história de novo? – ela sentou ao meu lado – Achei que você já tinha resolvido essa questão.
– Mas eu já resolvi. – disse séria – E mesmo se não tivesse resolvido, agora está feito. Mas será que eu fiz certo? Você acha que isso pode me prejudicar ou prejudicar Ofir de alguma forma?
– Prejudicar Ofir? – ela franziu a testa – Do que você está falando?
– Esquece! – botei a mão na cabeça – Nem eu não sei mais o que estou dizendo.
– Acho que essa história te deixou muito exausta. Talvez seja melhor descansar. – Thalassa colocou a mão em minha testa como se quisesse ver s eu estava com febre.
No dia seguinte eu tive uma surpresa muitíssimo agradável.
Logo de manhã, bem cedo, Alexis apareceu na casa de Linfa. Parecia que ele havia adivinhado. Eu – obviamente – estava louca para falar que não existia mais nada que nos impedisse de ficar juntos. Queria que fosse a primeira coisa que ele ouvisse, mas não foi bem assim que aconteceu.
Quem atendeu a porta foi Linfa. Diferente da primeira vez em que a vi abrindo a porta de sua casa para Alexis, Linfa estava bem segura e já não tinha mais medo dele ou do que ele pudesse dizer e fazer.
– O que te trousse aqui assim tão cedo? – Linfa perguntou – Para vir tão depressa deve ser algo importante.
– Sim! – Alexis respondeu sério – É algo muito importante.
Alexis pediu para que nos reuníssemos na sala, que ele tinha um comunicado importante a fazer. Fiquei imaginando o que seria, afinal, o dia havia acabado de começar e o sol ainda estava naquele laranja fraco, terminando de nascer.
Alexis vestia uma roupa bem imponente. Era um terno azul marinho, com grandes ombreiras douradas que fazia lembrar o uniforme de um general, sargento ou qualquer outra autoridade superior do exercito.
– Então? – Tales perguntou – Qual o motivo dessa assembléia?
– Eu vim comunicar a todos que meu pai, Rei Céleo, governante de toda a cidade...
– Poupe-nos das apresentações. – Neandro interrompeu Alexis – Nós já sabemos quem é você e o seu pai. Vá direto ao assunto. Para você nos acordar ás 05:40 da manhã, eu realmente espero que seja algo muito importante.
– Posso garantir que sim. – Alexis continuou sério – Indo direto ao assunto, nosso pai autorizou que eu e mais outra pessoa fossemos resgatar as garotas que foram capturadas e estão sendo obrigadas a serem noivas de Bianor.
– O que? – Neandro gritou – Ele realmente flou isso?
– Ele prometeu não foi? – Alexis estava estranhamente calmo – Papai sempre cumpri as promessas que faz.
– Isso eu sei! – Neandro estava desconfiado – Mas isso não parece uma ordem do papai.
– Como assim não parece uma ordem? – Alexis levantou a sobrancelha.
– Você e mais outra pessoa apenas? – Neandro fitou Alexis desafiadoramente – Poupe-me Alexis!
– Por quê? Ou melhor, do quê? – Alexis parecia estar bem seguro do que estava fazendo. Seja lá o que estivesse fazendo.
– Papai é quase a forma humana da precaução e ele nunca mandaria você em um resgate.
– Mas eu não vou sozinho. – Alexis sorriu – Eu vou com a Beatriz.
– Eu? – gritei automaticamente.
– Sim. – Alexis respondeu – Vamos nós dois.
– Essa história está muito mal contada. – Nicardo quem fitava Alexis agora.
– Ih... Não se mete não o menino-pedra que eu não estou falando com você! – Alexis começava a perder a paciência.
– Calma Alexis! – Thalassa ainda estava sonolenta.
– Mas o Nicardo tem razão! – Neandro se levantou – Essa história está muito mal contada.
– Não está acreditando? Então pergunte ao papai. – Alexis sorriu debochado.
Neandro se sentou sem dizer nada. Aparentemente havia desistido de investigar a história. Neandro ficou fitando Alexis intrigado. Não sei se ele havia acreditado ou desistido, mas pela cara de desconfiança de Neandro, estava mais certo que ele havia desistido – temporariamente.
– Mas não será perigoso apenas vocês dois? – Linfa perguntou.
– E por que apenas vocês dois? – Nicardo acrescentou.
– Não será perigoso por que vários soldados irão nos acompanhar. – Alexis respondeu – E foram escolhidos apenas dois para preservar os demais. Todos nós precisaremos estar bem quando formos lutar com Bianor.
– Mas se esse é o motivo, então Beatriz deveria ficar. – Nicardo o fitou com ódio – Ela é a chave mestra, a peça principal de toda a guerra. Se algo acontecer a ela, o que será de Ofir?
– Nada irá acontecer a ela por que eu estarei a protegendo – Alexis respondeu com um pequeno toque de arrogância na voz.
– Como achar melhor, alteza. – Nicardo respondeu debochado.
– Vamos parar vocês dois! – eu disse – Que coisa mais feia!
– Mas o que Nicardo disse faz sentido. – Cosmo estava prestes a se tornar mais um na lista negra de Alexis – O destino de Ofir depende de Beatriz. Seria mais prudente...
– Seria mais prudente fazer as coisas do modo como foram ditas para fazer! – Alexis começava a perder a paciência – Irei eu e Beatriz para Calidora resgatar as meninas e não aconselho ninguém a se opor.
– Credo Alexis! – Tales falou – Para que tanta agressividade? Você nem sabe se a Beatriz vai querer ir com você.
– É verdade! – Linfa se virou para me olhar – O que você acha disso Beatriz?
Neste momento todos os olhos estava voltados para mim. Estava acostumada a ter esse tipo de atenção quando minha má sorte resolvia dar “oi”, mas já tinha um bom tempo que nós duas não nós encontrávamos. Ela estava me devendo umas visitinhas e tinha medo de que ela resolvesse pagar-las agora.
– Bem... O que eu posso dizer? – olhei para Alexis – Acho que por mim tudo bem. Eu já sei como me defender sozinha outra vez.
– Você tem certeza? – Neandro perguntou.
– Sim! – na verdade eu queria dizer “acho que sim”, mas aprendi que perguntas como “Você tem certeza?” não devem ser respondidas com “acho”.
– Se é assim... – Neandro bufou – Mas ainda estou achando essa história muito estranha! Cadê os soldados que irão acompanhar você dois?
– Iremos nos encontrar no castelo! – Alexis respondeu.
– Ótimo! – Neandro ainda estava desconfiado – Podem ir, mas eu irei descobrir o que está errado nessa história. Pode ter certeza!
Seguimos a cavalo para o castelo. Alexis não disse mais uma palavra e eu fiquei sem jeito de dizer qualquer coisa.
Quase me perdi de Alexis quando ele mudou o caminho. Pouco antes de pegarmos a rua que levava para o castelo, Alexis cortou caminho e foi em direção ao porto.
– O que está fazendo? – perguntei – Nós não vamos para o castelo?
– Não é necessário. – ele respondeu.
– Mas e os guardas? – continuei perguntando.
– Não precisaremos de guardas. – ele sorriu.
– Espere! – raciocinei – Você mentiu?
– Sim! – ele respondeu tranquilamente.
– Você está me sequestrando? – perguntei com um sorriso debochado.
– Se quer entender assim? – ele achou graça.
– Então não vamos resgatar Camila, Levinda e Layla?
– Claro que vamos! – Alexis abriu um longo sorriso – Mas vamos fazer isso sozinhos. Apenas eu e você.
– Mas...
– Beatriz, eu passei muito tempo sem você. – Alexis parou o cavalo. Fiz o mesmo – Perdi muito tempo sozinho, lamentando não ter descoberto o que eu sentia por você antes. Não ter vivido o que deveríamos ter vivido. Eu quero tudo o que tenho direito e quero aproveitar sozinho, sem mais ninguém por perto.
Não sei como estava me rosto, mas Alexis parecia um deus de tão lindo. Ele sorriu largamente para mim e o cavalo voltou a galopar em direção ao porto. Por alguns instantes me esqueci de que ainda estava parada no mesmo lugar e assim que “acordei”, segui atrás de Alexis.
O porto estava cheio, mas acredito que não veriam problemas conosco. Ninguém iria barrar o príncipe de Ofir de sair de barco. Isso se ele tivesse um barco.
Alexis pediu para um soldado cuidar dos cavalos e mandar-los de volta a casa de Neandro. Ele olhou, olhou e olhou para os barcos, como se procurasse por um que não estivesse ai, até que algo lhe pareceu familiar.
– Vamos! – ele me puxou pela mão – É por ali.
– Você vai usar algum barco do Neandro? – perguntei.
– Sim. – ele respondeu – Iremos pegar “emprestado”.
Alexis entrou feito um raio no navio, assustando a tripulação.
– Vocês estão seguindo para onde? – Alexis perguntou.
– Estamos seguindo para lugar nenhum. – um dos marinheiros respondeu – Nós cuidamos do barco e estamos apenas fazendo o nosso trabalho.
– Pois agora vocês podem começar a preparar as coisas, iremos zarpar! – Alexis falou autoritário – Eu sou Alexis Melequíades Arrife Briseu do Corpeu Clístenes de Ofir, príncipe herdeiro do trono de Ofir e agora seu capitão!